quinta-feira, 24 de março de 2016

O Palhaço - Um filme sobre o trabalho de uma vocação.

Dentre tantas coisas belas da vida, o filme "O PALHAÇO", de Selton Melo, conquistou o inconsciente nacional como verdadeira obra prima. Lançado em 2011, o filme se tornou uma referência para quem curte a arte da palhaçaria. Para mim, que viveu os anos 70, tenho uma imagem clara do circo, sendo exatamente da forma como é relatada no filme.


"O Palhaço" direção e atuação impecável
de um jovem cineasta, Selton Mello

O Filme “O Palhaço” de Selton Mello foi mais uma feliz surpresa do cinema nacional! Desses filmes que deixam uma lembrança, uma imagem, não do circo enquanto linguagem apenas mas de um circo que arma lonas dentro da gente. Foi assim que me senti pelas duas vezes em que vi  o filme. Uma reflexão sobre a vocação do artista, a grandeza da arte na simplicidade cotidiana de uma profissão, outrora, desprezada e que hoje goza até de um certo glamour, a profissão do palhaço.
Impossível não ir nas referências e reminiscências, “O Palhaço” é mais que um filme, é um engajamento na busca do ser artístico e foi assim que me percebi o tempo todo enquanto sentia as fisgadas de todo aquele processo de solidão envolto numa profunda melancolia. Selton, certamente pode contar com uma ótima equipe, a direção de arte, a fotografia, os tons amarelados como se fosse decalque, uma espécie de película sobre a película cinematografia.
Paulo José, Teuda Bara, Moacir Franco, Ferrugem... nossa! Quanta surpresa, tudo no filme tem história, as músicas de uma profunda poesia e a marca indelével da melancolia que aferra cada lugar por onde o circo “Esperança” passa.  Uma viagem pelo universo cultural dos anos 60/70 mostrando uma época, um passado, um Brasil sem smarth phones, sem internet e que pude viver um pedacinho. A captação do espírito musical e sonoro daquela época, permeada por um silêncio bucólico. Uma época em que se podia topar com uma caravana circense inteira, indo para algum lugar. Era a a época dos circos e artistas que viajavam, anônimos, pelo gigante Brasil. Deu saudade!

Paulo José, a afirmação de um mestre, num dos mais belos filmes de sua
carreira - "O PALHAÇO".
Mas o filme se torna arquetípico quando mostra a realidade do profissional de circo e que, no fundo, somos todos nós, com nossas indecisões. Querer ser artista e ao mesmo tempo desejar ter uma vida mais “segura” com um emprego fixo, uma vida “normal”, pegar ônibus, ir ao trabalho, encontrar um amor. Enfim... um roteiro feliz e inesquecível!
(Jiddu Saldanha)

FICHA TÉCNICA

Diretor: Selton Mello
Elenco: Selton Mello, Paulo José, Giselle Indrid, Larissa Manoela, Teuda Bara, Erom Cordeiro, Cadu Fávero, Maíra Chasseraux, Thogun, Hossen Minussi, Alamo Facó, Tony Tonelada, Bruna Chiaradia, Renato Macedo
Produção: Vânia Catani
Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto
Fotografia: Adrian Teijido
Trilha Sonora: Plínio Profeta
Duração: 90 min.
Ano: 2011
País: Brasil
Gênero: Comédia
Cor: Colorido
Distribuidora: Imagem Filmes
Estúdio: Bananeira Filmes
Classificação: 10 anos

Trailler oficial

quarta-feira, 16 de março de 2016

A Música e a Palhaçaria.

"Purezempla" palhaça tocadora de saxofone.
A Musicalidade do palhaço é bem vinda, compõe uma de suas habilidades; aliás, muitos artistas aprofundam a linguagem musical, através da palhaçaria. Começam simplesmente utilizando o instrumento para tirar som, executando uma única música, durante o show e, com o tempo, a habilidade se amplia e evolui para uma musicalidade que, pode até virar uma habilidade específica do artista. O que parece ser difícil para muita gente, torna-se uma habilidade com desdobramento e desenvolvimento que passa a ser um verdadeiro luxo na linguagem que acaba levando o público ao êxtase.
São inúmeros palhaços que tive o privilégio de ouvir tocar, fazendo seus números inesquecíveis, um deles é o palhaço Xuxu, do incrível artista Luis Carlos Vasconcelos, que além de excelente palhaço é, também, um ator de cinema. Xuxú, depois de mirabolantes jogos com a platéia, tira de seu acordeon, uma inesquecível melodia que, completada com seu olhar de ternura, arranca suspiros e vivas do público completamente apaixonado. Tive o prazer de assistir este palhaço por mais de 5 vezes e é impressionante seu número de acordeon.
Iran Silveira - Palhaço Biriba e seu belo solo de garrafas,
quem viu nunca irá esquecer.
O mestre Richard Riguetti, do grupo Off-Sina foi dando vasão a uma musicalidade que hoje é variada e rica. Ele começou com um simples número de acordeon e hoje em dia apresenta um homem banda completo, além, claro, de continuar extraindo melodias incríveis de seu magnífico mundo mágico de instrumentos variados. Quem vir Café Pequeno, liderando um cortejo de palhaços, vai ficar impressionado com a força e energia de sua arte bela e tão rica de melodias e gags que faz a platéia chorar de rir.
Outra palhaça incrível, que tive a honra de conhecer foi Purezempla, a palhaça criada por Maria Tereza, mineira de São João del Rei e que aprofundou seus estudos na ESLIPA - Escola Livre de Palhaços. Purezempla, com sua paixão por instrumentos de sobro, tem preferência por Sax, já o palhaço Tatuí, de Dio Jaime Vianna, que toca diversos tipos de instrumentos de sopro, destacando a tuba, chama atenção com sua magnífica performance sonora, que faz dele uma verdadeiro show à parte por onde anda com seus instrumentos exóticos.
Em Cabo Frio, não há dúvida de que a atriz Kéren-Hapuk, com sua palhaça Hermetinha (nome inspirado na figura de Hermeto Pascoal), não só, tira sons melodiosos de seu violino "velho", como investiga a possibilidade sonora de diversos outros instrumentos. A paixão de Keren-Hapuk por música, a colocou como diretora musical de diversos trabalhos em Cabo Frio, voltados para o teatro, e a palhaçaria. Atualmente ela é facilitadora musical da oficina de palhaçaria da Cidade de Palhaços, projeto realizado em Cabo Frio e região dos lagos.

Pelas ruas de Cabo Frio, o cortejo da "Cidade de Palhaços" mostra que cada palhaço tem sua intimidade com o instrumento
que carrega. O importante não é tocar bem, mas tocar para o bem!
A música e a relação com instrumentos musicais, no contexto da arte do palhaço, é vista como uma "habilidade a mais", no trato com o público, entretanto, um palhaço pode mergulhar na musicalidade e criar números inteiros, inspirado nessa forma de sentir e ver o mundo, podendo ser de grande benefício para o artista que, ao descobrir tal habilidade, pode desenvolver um talento que vai ficar para sempre no coração do criador de risos...

Jiddu Saldanha - palhaço, mímico e professor de teatro.

sexta-feira, 4 de março de 2016

O Palhaço e a Moda!

Um palhaço nunca será igual ao outro, impossível. No entanto, aqueles que fazem muito sucesso podem gerar imitadores!


BIP - Marcel Marceau e CARLITOS - Charles Chaplin, estão entre os
estilos de figurinos mais imitados, por fãs do mundo todo.
Numa visão geral a moda palhascesca não tem muita lógica, porém, ela coloca um pouco da visão, não só de ridículo, mas estética e a percepção artística do próprio criador, diante da criatura. Talvez, por isso mesmo, nenhuma forma artística exibe tanta originalidade e diversidade ao mesmo tempo. O ideal de moda do palhaço, nunca será atingido pela sociedade de consumo, porque este olhar específico vem da alma de cada artista e sua ligação com o mundo. Quando você acha que viu de um tudo, começa a descobrir que vem muito mais por aí.
Um palhaço nunca será igual ao outro, impossível. No entanto, aqueles que fazem muito sucesso podem gerar imitadores, mas isso é muito raro, talvez os únicos palhaços que conseguiram gerar imitadores, de fato, foram: Marcel Marceau e Charles Chaplin. Em ambos os casos, a roupa, apesar de ter detalhes bem focados na arte do palhaço, também
Naan e Koy: Personagens do  IMAGINÁRIO, de Cabo Frio,
chapéus trabalhados na forma, e a tropicalização
de contrastes de cores. Foto: Thiago Andrade
fizeram, de alguma forma um link mais direto com a forma natural de se vestir, buscado um contraste de cores mais simples e cortes mais clássicos, tornando-os universais e fáceis de imitar.
Marceu Marceau e seu personagem Bip, cuja indumentária de corte simples e com detalhes bem específicos e cores sóbrias, fez nascer um fascínio mundial pelo mesmo corte de roupa, fazendo com que, uma boa parte dos mímicos buscassem inspiração em sua forma de vestir a personagem que imortalizou a pantomima, como forma definitiva de arte independente da dança e do teatro. Já, Charles Chaplin criou seu personagem Carlitos, redesenhando a própria forma de vestir, em sua época, porém, com detalhes exagerados como, por exemplo, a forma alongada do sapato com bico ligeiramente levantado e aparência gasta e acessórios como a Bengala, por exemplo, bem comum em sua época. A sua, porém, tinha detalhes que destoavam de um conjunto mais usual, tornando-se, claramente, um objeto de releitura de seu próprio contexto.
Em Cabo Frio, dois detalhes chamam a atenção na moda artística local, a forma simples do grupo "Imaginário", que tem uma leve inspiração nos cortes clássicos da era Bip e Carlitos, porém, com camadas de corte tropical, tanto na maquiagem, como nas cores da roupa em si. A pesquisa do grupo Imaginário como forma de vestir personagens fixos em situações diferentes, propõe uma possível construção estético-visual que, com o tempo, poderá ser fruída dentro de um conjunto, onde, certamente, novos adereços e possibilidades irão
Hermetinha, personagem criada por Kéren-Hapuk, a forma do cabelo
e o colar com 4 argolas, dão um ligeiro contraste com a roupa de corte
clássico. Foto: Manuela Paiva Ellon
surgir. Como visão artística e poética, o grupo imaginário parece mergulhar numa essência que, certamente, está contribuindo para a "moda palhascesca contemporânea".
Outro tipo de roupa interessante é a da palhaça Hermetinha, de Kéren-Hapuk, que, certamente, não só reflete a visão estética de sua criadora, mas que resultou numa feliz descoberta onde, o desenho da roupa, o contraste simples das cores e a forma como ela posiciona o cabelo, acaba dando uma visão completa de uma imagem melancólica e fluida com um resultado interessante. O detalhe do colar, feito por 4 anéis vermelhos pendurados por uma fita de náilon, contribui para uma harmonização entre os cortes secos e clássicos da roupa para uma harmonia que faz o público se prender a detalhes e ao mesmo tempo fluir na forma simples e musical da personagem.
Enfim, não existe uma "moda específica" para a palhaçaria, no entanto, algumas atitudes estéticas segue um padrão, como, por exemplo, enfeitar a personagem com detalhes e adereços que diga respeito à visão de mundo do próprio criador da personagem em si. Estabelecer uma relação emocional e, muitas vezes, familiar, com algum detalhe que remeta à família do próprio artista em questão e/ou, até mesmo, aos seus ídolos e ícones, que ditam o conceito de sua própria vida. Os palhaços, na sua maioria, criam suas roupas num primeiro momento, mas seguem reinventando-a, até o momento em que descobrem o seu ponto definitivo.


(Jiddu Saldanha - Mímico, palhaço e professor de teatro).

quarta-feira, 2 de março de 2016

Conheça a arte da palhaçaria teatral e seja bem vindo...


"Ser palhaço, é despertar o anjo torto que habita nosso eu mais profundo"
(Jiddu Saldanha)


Cenoura Fofógrafa - Ana Paula Azevedo
Foto: Manuela Paiva Ellon - 2016
A Palhaçaria teatral é uma busca permanente, na vida artística de quem quer mostrar seu talento, seu dom, e se conectar com fazeres artísticos diferenciados. É bom poder compartilhar com o público sua própria alma, através de uma arte secular. Os palhaços estão aí desde que o mundo é mundo e, sobre eles, existem muitas teorias, porém, na prática, o palhaço é apenas o "perdedor que deu certo". É aquele ser etéreo, perdido dentro de nossa consciência e que, de algum modo, entendeu que nada precisa ser levado tão "a ferro e fogo"! 
O Palhaço é uma espécie de Anjo Possível. Alguém que apenas mostra o fluxo dos acontecimentos, a partir de um ponto de vista que pode proporcionar redenção para o ser humano. Ao vivermos esse caminho tão tortuoso, de compromissos, aprovações e reprovações em nosso cotidiano; através da palhaçaria teatral, podemos relaxar e elaborar melhor nossa existência psíquica. Esse mergulho que nos leva a entrar em contato, talvez, com a verdadeira natureza lúdica do humano, muito mais do que qualquer outra forma de experimentar a vida.
Ser palhaço é ser feliz, não no sentido de que a felicidade exista, mas num sentido metafórico, mais para o caminho de "não respostas" do que por um caminho de certezas. Vivemos neste mundo para compreender e trocar mais sobre o sentido da vida, mas a vida em si, não faz nenhum sentido, senão aquilo que damos ou "não damos" a ela. 
É por isso que "Ser palhaço, é despertar o anjo torto que habita nosso eu mais profundo", de forma a mostrar uma fração daquilo que poderíamos, mas não podemos ser, torna-se muito mais, um ato de coragem do que, propriamente, uma fuga da realidade.